Postado por: Mundo Raimundo sábado, 17 de agosto de 2013

Samy escreve para a coluna Sem Título


Afinal, a vida vale ou não vale a pena ser vivida?  Essa é a questão central – e continuamente revisitada - da filosofia de Albert Camus. Em um período turbulento em decorrência da Segunda Guerra Mundial, tal autor se propôs a definir o absurdo. No livro O mito de Sísifo (1942), afirmou que um homem que se mata acaba por admitir que foi superado pela vida ou que não a entendeu, sobretudo porque em um mundo que não pode ser explicado, o homem tende a se sentir como um estrangeiro. O sentimento do absurdo a respeito da vida foi definido por ele como “a estranheza do mundo; o mal estar perante a crueldade do homem; a incalculável queda diante da imagem daquilo que somos; a náusea”.
Cito Camus por um motivo específico: pretendo falar de um livro de Enrique Vila-Matas. À primeira vista, para quem conhece o trabalho desse escritor catalão, tal aproximação pode soar estranha. Todavia, Suicídios exemplares (1991) é um livro de contos com foco em dois temas: vida e negação. As 12 histórias escritas por Vila-Matas giram em torno da possibilidade do suicídio. Fala-se em possibilidade porque nenhuma das personagens chega a executar tal ato. A narrativa é entremeada por uma sutil ironia e por uma leve amargura existencialista. O autor não enfatiza a morte; pelo contrário, ele ressalta como suas personagens sobrevivem dia após dia. Bem como Camus, Vila-Matas não vê o suicídio como uma resposta para o absurdo da vida. Reafirma, em cada um de seus contos, que se deve viver e, por conseguinte, revoltar-se.
O acaso, nessa obra vila-matasiana, também é tema presente. No conto “O colecionador de tempestades”, a personagem, obcecada pelo suicídio, programa-o de forma engenhosa e perfeccionista, mas minutos antes de executar sua vontade, imprevistamente, morre em conseqüência de problemas cardíacos. Neste momento, a ironia, o ridículo e o absurdo se ligam intimamente. Em “A noite da íris negra”, um casal viaja a uma ilha com um extenso histórico de suicídios. No decorrer da narrativa, descobrem a existência de uma sociedade secreta cujos membros compactuam com a ideia de fazer da morte uma obra independente do acaso. No conto “Rosa Schwazer volta à vida”, a personagem, descontente com sua existência, percebe e sente o absurdo, tornando-se obstinada pela ideia de se matar: “cometer haraquiri, envenenar-se, atirar-se na frente de um carro”. Entretanto, acaba sempre protelando o inevitável. “Em busca do parceiro eletrizante” narra a história de um ator infame que sai à procura de um parceiro para formar uma dupla cômica e, dessa forma, voltar a fazer sucesso. Porém, descobre que seu parceiro ideal morreu. Assim, visando formar a dupla no além, pensa em se matar. 
Esses contos remetem às reflexões de Friedrich Nietzsche. Para tal autor, não existindo nenhum direito que permita a um homem tirar a morte de outro, o pensamento a respeito do suicídio se torna um consolo, pois para Nietzsche, é pertinente morrer orgulhosamente quando não é mais possível viver orgulhosamente. Ou seja, por amor à vida deveria se morrer livre e conscientemente, sem depender do acaso.
Nas demais histórias, todas as personagens são facilmente comparáveis às pessoas do nosso cotidiano. Todos vivem em meio ao absurdo e se deixam possuir, uma hora ou outra, pela fantasia de se matar, seja atraindo raios, tomando estricnina, jogando-se no vazio ou definhando por saudade. Ainda assim, Suicídios exemplares é um livro que exalta a vida e o suicídio não é visto como um signo de derrota, mas como uma possibilidade de controle do homem sobre a sua própria existência.






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