Postado por: Mundo Raimundo domingo, 13 de outubro de 2013




Olá, prezadx leitorx

Mudando de saco pra mala: esta é minha introdução no mundo da literatura, cuja obra é assinada pelo pseudônimo de Valentina Guadalajara. Muito obrigada pela leitura deste conto que se chama Norma e Clara.


Norma e Clara

Era uma tarde ensolarada e agradável. Clara observava atentamente a vegetação do bosque, mal podia crer que há alguns meses aquelas árvores estiveram completamente desnudas e estéreis, e antes disso, com as folhas amarelas, e ainda antes haviam estado grandiosas e cheias de imponentes flores, da mesma maneira como as estava vendo agora.
Clara fixou sua visão em uma pequena árvore, uma árvore menina, árvore criança. Encontrava-se tão exposta, no meio de muitas outras grandes árvores. Parecia tão frágil, desprotegida, com algumas folhas um pouco murchas. Clara conhecia a possibilidade que a pequena morresse, mas sabia que não. Sabia que esse arbustinho ia crescer e crescer, até vê-la de cima. Clara sentada, olhos nos olhos com a planta, agora elas tinham a mesma altura, a mesma solidão e o mesmo desamparo. Ambas descolocadas no mundo. E se Clara talhasse seu nome no fino tronquinho? Certamente a machucaria. Mas, “e se eu escrevesse?”, pensou. A arvorezinha iria crescer, porém a marca estaria sempre ali, a dez centímetros do chão. Uma dor registrada a um palmo de distância do solo. Essa imagem a deixou melancólica: “Que coisa, as dores estão sempre ali onde foi aberta a chaga. A gente esquece só porque cresce pra cima.”
Outros pensamentos e memórias foram visitando a mente de Clara enquanto esperava Norma. Depois de vinte anos, esta iria voltar à sua cidade natal, da qual havia fugido para casar-se com alguém de fora, para tentar a carreira de atriz na capital, para ter um bebê na casa de alguma tia distante, para escapar da polícia ou talvez para distanciar-se da sua família por algum incidente sinistro.
No dia quatro de fevereiro de 1970, um dia antes da fuga, Norma e Clara, fizeram um piquenique na beira da cachoeira. Norma descobriu, escondido entre as folhagens, um pedaço de arco-íris. Tinha o tamanho de um cartão postal. Estava um pouco seco, levemente desbotado e mofado em uma das pontas, mas sem dúvida era um arco-íris. As meninas estranharam que nenhum desenho se parecia de fato ao verdadeiro, porque as gravuras traziam sempre uma linha separando as cores umas das outras, e o autêntico apresentava-se em degradê. O verdadeiro parecia muito mais natural e singelo.
Norma insistiu que Clara escondesse o objeto em sua casa como o mais alto símbolo da sua amizade e confiança. Norma não soube mensurar o que havia descoberto. Milhares de pensamentos tenebrosos infiltraram-se em sua cabeça. Imaginava com horror que sua mãe, mulher luxuriosa e vulgar, poderia exibi-lo obscenamente, o que seria um espetáculo vexatório e provocaria a repugnância e o definitivo rechaço na população da pequena cidade onde viviam. Também temia que seu pai, homem extremamente severo, ao meio-dia depois da missa, expusesse a filha junto ao pedaço de arco-íris em praça pública, difamando-a, incitando na multidão brados de insultos violentos e todo o tipo de maltrato, consentindo e fomentando assim, a mais ultrajante das humilhações. Vergonha coletiva ou individual, era, portanto, perigosíssimo manter em seu poder o modesto pedacinho. Pensando na amiga, Clara aceitou preservá-lo e mantê-lo distante da ciência pública.
No dia seguinte, Clara tomou conhecimento de que a amiga havia desaparecido sem explicações nem despedidas. Sentiu-se triste, traída, desolada. Então colocou aquele signo de afeto numa caixinha adornada e, desde então, contemplava-o sempre que seu coração se inflamava de saudades. Um arco-íris metáfora, Norma.  
Agora, depois de tantos anos, Norma telefona e avisa que em dois dias estará voltando à cidade natal. Clara, como quem vê pela primeira vez o mar, delira com o encontro. Marcaram naquele lugar onde haviam descoberto o arco-íris anos atrás. Conversaram sobre como havia sido a vida de cada uma e finalmente chegaram ao tema da desaparição de Norma. Ela confessa que fugiu por pura covardia de havê-lo descoberto, já que, com simplesmente imaginar as consequências de estar associada a esse belo pedaço de cores, seu espírito se enchia de espanto. Norma perguntou se Clara ainda guardava o objeto, e Clara lhe contou-lhe toda a história.
“Depois de oito anos guardando o arco-íris, minha irmã acabou por descobrir o segredo. Tomada pela ira, gritando e babando, ameaçou-me de mostrar a todos o que eu guardava na minha antiga e querida caixinha enfeitada. Frente ao dilema e a vergonha, coloquei aquele pedaço de arco-íris, já completamente seco e esfarelento, dentro da boca e o devorei como se há muito não comesse. Eu não tive escolha, precisava ocultar a prova, mas ao mesmo tempo guardá-la comigo. Neste momento não havia outra opção para mim.
Depois desse dia, tossi sem cessar por seis meses. Tossi tanto que chorei, chorei muito. Durante este tempo, parava de tossir e chorar apenas três horas por dia para dormir. Você não sabe o que é tossir e chorar por meses, você fugiu, você me abandonou. Depois da tosse, vieram outros sintomas. Meus dedos, que eram tão longilíneos, delicados e hábeis, ficaram roliços e pequenos. Minha voz, antes aguda, ficou rouca. Minhas atitudes, antes de mulher tão ousada e atrevida, foram retraindo-se, e hoje sou uma pessoa muito tímida. O mais grave começou a acontecer quando um dia vim aqui, exatamente aqui, porque precisava chorar. A partir desse dia, todas as vezes que chorava ou suava, mudava de cor. Eu já não podia mais negar nada. Perdi o emprego e fui expulsa de casa. Eu provocava aversão, assim me disseram. Algumas pessoas me recomendaram trabalhar no circo. Você pode imaginar o que se sente quando alguém diz pra você ir trabalhar no circo, Norma?! Desde esse dia em que mudei de cor pela primeira vez, fui vítima de uma avalanche de comentários, de risos e da ojeriza de toda a gente. E você fugiu, Norma, você me deixou aqui pra pagar esse custo sozinha!” – desabafou Clara.
Já completamente alaranjada, disse que por todos esses anos guardou o arco-íris dentro dela, que poderia ter-se desfeito do incômodo. No entanto ela nunca foi capaz de separar-se desse símbolo, emblema de um sentimento tão profundo que ela nunca havia esquecido. Desta forma, honrou sua promessa à especial amiga e bravamente sustentou esse segredo durante vinte anos. Porém, agora, com Norma de volta, Clara já podia dividir com ela sua inquietação.
Ao final de seu depoimento repleto de mágoa, Clara abraçou fortemente Norma, beijou-a e vomitou uma parte do arco-íris em sua boca sem que Norma pudesse reagir. Agora Norma, vermelhecida, finalmente irá compartilhar e dividir aquilo que sempre foi dela também.




Valentina Guadalajara

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